É possível notar, a partir das recentes manifestações, uma
insuspeitada semelhança entre a defesa de atos de depredação e a defesa da
redução da maioridade penal. Ainda que os dois gestos pareçam estar em lados opostos
de uma mediana linha de pensamento, os discursos por trás deles se assemelham inadvertidamente
pela banalização de um revide inócuo. Traduzindo: são iguais em desinteligência
e ineficácia.
Isso acontece porque, em ambos os casos, a defesa ou
justificativa dos dois pensamentos partem sempre muito mais de uma indignação
exasperada contra o estado das coisas do que de uma reflexão honesta e madura
sobre como mudar esse estado das coisas.
Tomemos como exemplo as depredações de agências bancárias.
Com boa vontade, vamos desconsiderar qualquer gratuidade estúpido-juvenil e
atribuir a elas o discurso que geralmente se atribui. Assim, essas depredações
seriam um ataque a ícones de um sistema perverso, datadamente chamado de
capitalismo.
Esses ataques seriam uma demonstração física do tamanho da
revolta contra um sistema fomentador da desigualdade social, do enriquecimento
de poucos à custa do trabalho de muitos.
Dessa forma, o gesto (a depredação) serve como retrato
extremado e até mesmo discursivo, que revela em si a abjeção desse sistema
sujo. Uma imundice contra a qual se deve manifestar e lutar em busca de
mudanças.
Na outra ponta, de maneira mais passiva, mas não menos
virulenta, há a defesa da redução da maioridade penal. Um discurso que, assim
como as depredações, apoia-se na indignação. No caso, a indignação vem das
“pessoas de bem” ante os altos níveis de violência e criminalidade.
Nesse discurso há também um alvo, os criminosos menores de
idade, que por brandura das leis seriam estimulados ao crime, tornando-se uma
ameaça para a segurança dessas “pessoas de bem”, assim como para suas
respectivas famílias e seu honorável patrimônio.
Em comum entre os dois discursos está um misto de miopia e
ingenuidade, somado a uma postura combativa, porém inócua. Ambos são justos e legítimos
em seu apelo indignativo; ambos são até válidos nas suas proposições contra um
estado das coisas, mas não servem muito a uma resposta eficaz que mude esse
estado das coisas.
Isso porque nenhum dos dois discursos, através de suas
respectivas chuvas de pedras contra vidraças ou perdigotos contra a lógica, vai
além da satisfação de um baixo desejo de revide, de uma extremada ação que
serve apenas para reduzir um pouco a imensa frustração e impotência diante de
crimes e abusos que nos afetam cotidianamente.
Não há estudos que mostrem que a redução da maioridade penal
representará uma redução nos índices de criminalidade. Como não há registro de
que a quebra de agências bancárias tenha alguma vez desestabilizado o sistema
financeiro. Sendo assim, ambas ações servem apenas como uma agressão sem
objetividade ao sintoma e não à doença.
Ainda que em ambos os casos pessoas inteligentes e
articuladas saiam em sua defesa, a impressão que fica é que importa menos a
solução do problema do que a satisfação pessoal em ver alguns alvos de nossa
indignação sofrerem a virulência do revide de nossa impotência real.
As indignações que pautam e dão sustentação aos dois
princípios são justas e encontram voz em parte respeitável da sociedade. Mas
revelam muito pouco de inteligência e conhecimento das reais causas do problema.
A questão é que a solução dos problemas contra os quais se
tem gritado nas ruas e nas pesquisas de opinião demandam mais esforço do que
atirar pedras ou colocar na penitenciária menores de 18 anos.
No entanto, engajar-se num esforço real e articulado, que vá
além de discursos e faniquitos encapuzados, exige um comprometimento a que
poucos estão dispostos.
Seja por preguiça, seja por individualismo, seja por simples
incapacidade intelectual, fica-se sempre na superfície. Nunca se vai ao fundo.
Afinal, reclamar e apontar alvos é sempre mais fácil, cômodo – e até divertido
– do que fazer algo efetivo e cotidiano para mudar esse estado das coisas.
Agredir exige menos esforço que pensar.
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Ilustrações: M.C. Escher