sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A semelhança entre depredação e redução da maioridade penal



É possível notar, a partir das recentes manifestações, uma insuspeitada semelhança entre a defesa de atos de depredação e a defesa da redução da maioridade penal. Ainda que os dois gestos pareçam estar em lados opostos de uma mediana linha de pensamento, os discursos por trás deles se assemelham inadvertidamente pela banalização de um revide inócuo. Traduzindo: são iguais em desinteligência e ineficácia.

Isso acontece porque, em ambos os casos, a defesa ou justificativa dos dois pensamentos partem sempre muito mais de uma indignação exasperada contra o estado das coisas do que de uma reflexão honesta e madura sobre como mudar esse estado das coisas.

Tomemos como exemplo as depredações de agências bancárias. Com boa vontade, vamos desconsiderar qualquer gratuidade estúpido-juvenil e atribuir a elas o discurso que geralmente se atribui. Assim, essas depredações seriam um ataque a ícones de um sistema perverso, datadamente chamado de capitalismo.

Esses ataques seriam uma demonstração física do tamanho da revolta contra um sistema fomentador da desigualdade social, do enriquecimento de poucos à custa do trabalho de muitos.

Dessa forma, o gesto (a depredação) serve como retrato extremado e até mesmo discursivo, que revela em si a abjeção desse sistema sujo. Uma imundice contra a qual se deve manifestar e lutar em busca de mudanças.

Na outra ponta, de maneira mais passiva, mas não menos virulenta, há a defesa da redução da maioridade penal. Um discurso que, assim como as depredações, apoia-se na indignação. No caso, a indignação vem das “pessoas de bem” ante os altos níveis de violência e criminalidade.

Nesse discurso há também um alvo, os criminosos menores de idade, que por brandura das leis seriam estimulados ao crime, tornando-se uma ameaça para a segurança dessas “pessoas de bem”, assim como para suas respectivas famílias e seu honorável patrimônio.

Em comum entre os dois discursos está um misto de miopia e ingenuidade, somado a uma postura combativa, porém inócua. Ambos são justos e legítimos em seu apelo indignativo; ambos são até válidos nas suas proposições contra um estado das coisas, mas não servem muito a uma resposta eficaz que mude esse estado das coisas.

Isso porque nenhum dos dois discursos, através de suas respectivas chuvas de pedras contra vidraças ou perdigotos contra a lógica, vai além da satisfação de um baixo desejo de revide, de uma extremada ação que serve apenas para reduzir um pouco a imensa frustração e impotência diante de crimes e abusos que nos afetam cotidianamente.

Não há estudos que mostrem que a redução da maioridade penal representará uma redução nos índices de criminalidade. Como não há registro de que a quebra de agências bancárias tenha alguma vez desestabilizado o sistema financeiro. Sendo assim, ambas ações servem apenas como uma agressão sem objetividade ao sintoma e não à doença.

Ainda que em ambos os casos pessoas inteligentes e articuladas saiam em sua defesa, a impressão que fica é que importa menos a solução do problema do que a satisfação pessoal em ver alguns alvos de nossa indignação sofrerem a virulência do revide de nossa impotência real.

As indignações que pautam e dão sustentação aos dois princípios são justas e encontram voz em parte respeitável da sociedade. Mas revelam muito pouco de inteligência e conhecimento das reais causas do problema.

A questão é que a solução dos problemas contra os quais se tem gritado nas ruas e nas pesquisas de opinião demandam mais esforço do que atirar pedras ou colocar na penitenciária menores de 18 anos.

No entanto, engajar-se num esforço real e articulado, que vá além de discursos e faniquitos encapuzados, exige um comprometimento a que poucos estão dispostos.

Seja por preguiça, seja por individualismo, seja por simples incapacidade intelectual, fica-se sempre na superfície. Nunca se vai ao fundo. Afinal, reclamar e apontar alvos é sempre mais fácil, cômodo – e até divertido – do que fazer algo efetivo e cotidiano para mudar esse estado das coisas. Agredir exige menos esforço que pensar.
--
Ilustrações: M.C. Escher