sexta-feira, 29 de março de 2013

A Flor Marco Feliciano


Crises não nascem do nada. Não brotam misteriosamente do chão. Para crescerem e florescerem precisam antes terem sido plantadas e cultivadas. O problema é que quando flores nefastas desabrocham em crises, exalando o mau cheiro do equívoco, é comum que se esqueça quem semeou aquilo.

O vergonhoso impasse da presença mais que equivocada do deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, também não surgiu do nada. Como tudo na vida, está concatenado com uma trama que revela a imprudência parlamentar no que diz respeito à comissão e ao que ela defende, ou deveria defender. Com o alto volume da justa grita que se faz em torno da permanência de Feliciano à frente da comissão, natural que se esqueça por quais meios ele foi parar ali.

Não, não foi uma coluna de fogo e fumaça que desceu do céu e o nomeou. Foi na verdade uma articulação de interesses acomodatícios em que o PT, historicamente ligado à comissão, abriu mão dela na sanha de ocupar comissões mais vultosas e politicamente mais rentáveis. A mesma sanha que, em contrapartida, urgia acomodar a base aliada no intuito de saciar sua voracidade por cargos. O conhecido e ancestral "toma lá, dá cá".

Para isso, o jeito foi mandar às favas. Às favas com os direitos dos humanos e das minorias, às favas com a histórica defesa de ideais igualitários e justos tão bravamente defendidos pelo partido no passado. O que vale para logo, para o já, é acomodar-se no poder, onde quer que o poder esteja, ao preço de qualquer prejuízo de sua história. Assim parecem sinalizar as atitudes do partido.

A crise instituída hoje não veio do céu, veio de interesses. É o juro inesperado de turva moeda de troca. Não surgiu como um raio, mas foi anunciada muito antes de chegar onde chegou. Cristalinamente previsível como nenhum profeta jamais vislumbrou, a insólita situação a que se chega hoje foi desenhada lentamente. Poucos, entre os que tinham poder de alterá-la, se importaram com isso. Quase ninguém tentou impedi-la.

Desde que o nome de Feliciano surgiu como possível presidente da comissão, muito já se gritava. À época, parecia até improvável que alguém com pensamento tão tacanha e postura tão desonesta, comprovada em áudio, vídeo e Twitter, chegasse onde chegou. Sabia-se também, de antemão, que, chegando lá, seria difícil tirá-lo contra sua vontade, uma vez que regimentalmente nada pode ser feito para solucionar o erro crasso.

Na árvore da política, tudo se ramifica. Alguns galhos podres florescem a despeito de seu estado doente. Podá-los, muitas vezes, pode ser trabalho difícil, tão daninhos e resistentes que são.

Mas em meio ao difícil trabalho de poda, quando se está ocupado tentando sanar o mal, é preciso não perder a perspectiva histórica e lembrar sempre que este mal também tem uma raiz. Que aquele galho podre não surgiu do nada. Antes disso, cresceu sob o olhar anuente de toda uma árvore que já não se arvora mais à ética e ao compromisso com a retidão de caráter.
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terça-feira, 5 de março de 2013

Harlem Shake e a Idade Média 2.0


Sai Gangnan Style, entra Harlem Shake. No mundo-mídia viral, o sucesso não é apenas efêmero, mas também canibal. Bobagem devora bobagem. A humanidade, esse estranho organismo, chega ao século 21 tendo criado a maior ferramenta de disseminação de conhecimento e cultura da história e o que mais se vê é de um vazio temeroso.

Não se trata de ser do contra ou de não reconhecer que, eventualmente, tanto Gangnan Style quanto Harlem Shake podem render coisas engraçadas. Há em ambos (e em tantas outras coisas que se encontra na internet) o alívio cômico natural da vida, necessário para ventilar sua quase sempre sufocante aspereza. O riso, e mesmo o besteirol, são bem-vindos. O problema está na dosagem.

Quando o que dá mais audiência é algo completamente sem sentido, fica a preocupação do rumo que está tomando esta sociedade conectada. Coisas como facebook e youtube despertaram, inadvertidamente, o que há de mais infantil em nós. O risco é de entrarmos em uma era de infantilização, uma era idiotizada, uma Idade Média 2.0 em que o idioma oficial é o “miguxês”.

Não é preciso ser sisudo para viver a vida, mas a avalanche de besteirol que ocupa os espaços virtuais e os assuntos cotidianos tem tomado proporções que parecem denotar um desejo reprimido de sermos bobos. Quem insistir em pensar, ter opinião crítica, logo é hostilizado pela patrulha da alegria. Torna-se o chato ranzinza, o estraga-prazeres. Assim molda-se a ditadura da felicidade e do divertido. Tudo é graça. E quando tudo é graça, nada mais é sério.
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