Crises não nascem do nada. Não brotam misteriosamente do
chão. Para crescerem e florescerem precisam antes terem sido plantadas e cultivadas.
O problema é que quando flores nefastas desabrocham em crises, exalando o mau
cheiro do equívoco, é comum que se esqueça quem semeou aquilo.
O vergonhoso impasse da presença mais que equivocada do
deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP) como presidente da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara, também não surgiu do nada. Como tudo na vida,
está concatenado com uma trama que revela a imprudência parlamentar no que diz
respeito à comissão e ao que ela defende, ou deveria defender. Com o alto volume
da justa grita que se faz em torno da permanência de Feliciano à frente da
comissão, natural que se esqueça por quais meios ele foi parar ali.
Não, não foi uma coluna de fogo e fumaça que desceu do céu e
o nomeou. Foi na verdade uma articulação de interesses acomodatícios em que o
PT, historicamente ligado à comissão, abriu mão dela na sanha de ocupar
comissões mais vultosas e politicamente mais rentáveis. A mesma sanha que, em
contrapartida, urgia acomodar a base aliada no intuito de saciar sua voracidade
por cargos. O conhecido e ancestral "toma lá, dá cá".
Para isso, o jeito foi mandar às favas. Às favas com os direitos dos
humanos e das minorias, às favas com a histórica defesa de ideais igualitários
e justos tão bravamente defendidos pelo partido no passado. O que vale para
logo, para o já, é acomodar-se no poder, onde quer que o poder esteja, ao preço de qualquer
prejuízo de sua história. Assim parecem sinalizar as atitudes do partido.
A crise instituída hoje não veio do céu, veio de interesses. É o juro inesperado de turva moeda de troca. Não surgiu como um raio, mas foi anunciada muito antes de chegar onde
chegou. Cristalinamente previsível como nenhum profeta jamais vislumbrou, a insólita situação a que se chega hoje foi desenhada lentamente. Poucos, entre os que tinham poder de alterá-la, se importaram com isso. Quase ninguém tentou impedi-la.
Desde que o nome de Feliciano surgiu como possível
presidente da comissão, muito já se gritava. À época, parecia até improvável
que alguém com pensamento tão tacanha e postura tão desonesta, comprovada em áudio,
vídeo e Twitter, chegasse onde chegou. Sabia-se também, de antemão, que,
chegando lá, seria difícil tirá-lo contra sua vontade, uma vez que regimentalmente
nada pode ser feito para solucionar o erro crasso.
Na árvore da política, tudo se ramifica. Alguns galhos
podres florescem a despeito de seu estado doente. Podá-los, muitas vezes,
pode ser trabalho difícil, tão daninhos e resistentes que são.
Mas em meio ao difícil trabalho de poda, quando se está ocupado tentando sanar o mal, é preciso não perder a
perspectiva histórica e lembrar sempre que este mal também tem uma raiz. Que
aquele galho podre não surgiu do nada. Antes disso, cresceu sob o olhar anuente
de toda uma árvore que já não se arvora mais à ética e ao compromisso com a
retidão de caráter.
--