segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A Copa Que Vai e a Que Não Vai

Pode-se creditar uma boa dose de ingenuidade na conta de quem leva a polarização #vaitercopa/#nãovaitercopa ao pé da letra.

Vai ter Copa, claro. Mas também não vai ter. Não, pelo menos, naquela tranquilidade toda que deseja - e que vê naufragar - nossos governantes.

O grito no “não” soa mais como um repúdio e uma promessa do que uma certeza. A promessa é de dificultar ao máximo para mostrar o tamanho da indignação.

Achar que o evento será cancelado, aí já é ingenuidade.

Um professor muito gente boa que conheço, dia desses, no facebook, defendeu o “vai ter” e argumentou contra o “não vai ter”.

Defendeu que, desde a candidatura do país para sediar o evento e até pouco tempo atrás, ninguém foi à rua. Agora, em cima da hora, aparece o grito do “não”.

Segundo ele, há muito de politização no ato. Oposição à Dilma se aproveitando para desestabilizar.

Fazer fracassar a Copa é querer fazer fracassar um governo, e logo depois, como se sabe, vem eleição.

Em outras palavras (minhas, agora) aquele velho jeito de fazer política de oposição no Brasil: quanto pior, melhor.

Coisa que, lembremos, não foi inventada pela oposição de hoje - tendo sido muito utilizada pela oposição de ontem. Um espelho que pouca gente gosta de mirar.

Sim, ele tem razão. Há muito de politização e oposição rasteira no que está aí. Mas o grito do “não”, ao que me parece, não surge agora apenas por isso. Lembremos.

ORGULHO E VIRA-LATAS

No princípio, quando se soube que o Brasil ia sediar a Copa, dois sentimentos oscilavam e se misturavam no povão. O orgulho e o complexo de vira-latas.

O primeiro queria que o país, que vinha crescendo, coroasse esse crescimento com um evento global, para que essa gente bronzeada pudesse mostrar ao mundo seu valor.

O segundo, revirando lata, dizia que seria um fracasso, que o país, o governo e o povo não tinham ainda preparo para tamanho evento. Iam dar vexame.

Infiro, e assumo riscos, que este último, no fundo, desejava o contrário, mas preferia o pessimismo do discurso à ovação crédula, por achá-la ingênua.

Assim, infiro novamente, todo mundo, de alguma forma, queria Copa. Nem que fosse para provar que estava certo, caso desse errado.

Mas aí veio o que veio. Gastos públicos indecentes, atrasos, remoções de pessoas à força, a força da FIFA autoritária, cancelamento de obras que seriam legado. 

Bagunça. Aquela Copa linda, aos poucos, ia se revelando uma Copa suja, de mentiras, de promessas de infraestrutura se quebrando em efeito dominó.

Veio também junho de 2013 e vieram os Black Blocs.

Aquele orgulho do início, mesmo o duvidoso, virou grito: Copa para quê? Ou, melhor: para quem?

Na onda, claro, entram os aproveitadores. Mas isso não diminui a legitimidade das perguntas. Nem dos protestos.

Uma legitimidade, no entanto, que se relativiza muito no caso de quebradeira, depredação e ação de grupos violentos. Assunto para outra hora.

Já a Copa, realizada ou não, caminha para ser uma vergonha.

Opróbrio que surge por tudo que elucida sobre si mesma (o esporte, nela, é menos que detalhe) e pela gestão desastrosa, no Brasil, em sua preparação.

O desastre, no entanto, não nasce desse ou daquele partido. É endêmico de nossas instituições, é endêmico de nossa corrupção endêmica.

A Copa no Brasil, em seu propósito inicial de vitrine do país, pode acabar cumprindo seu ideal da forma mais verdadeira possível: se tornando, também ela, uma vitrine estilhaçada.

Os protestos têm de haver, porque estamos diante de uma possível dobra histórica, uma possível quebra de paradigmas no modo como o povo (re)age.

Com todos seus equívocos, é uma Copa bem-vinda, pois pode estar servindo para aglutinar insatisfações, revelar absurdos, indignar os passivos, fazer mover a gente.

Ela vai acontecer, mas o que acontecer ao largo dela talvez seja o acontecimento de verdade e de real importância.
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