segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A Receita Pronta

Se ainda não é algo que possa ser chamado de fenômeno, tende a se tornar em breve. Ao menos as instituições estão seguindo a receita de junho passado para que se torne.

Até o último final de semana, os chamados "rolezinhos" vinham acontecendo com razoável grau de previsibilidade: algum desconforto para os shoppings e seus clientes mais habituais e só. Até que a PM usou de sua típica delicadeza para dispersar um grupo no shopping Itaquera.

Agressão gratuita, bala de borracha, gás, enfim, o kit completo do despreparo. E olha que desta vez nem precisou de editorial clamando para que se retomassem os shoppings dando um basta à toda aquela bandalha. Sem falar nas liminares concedidas pela Justiça, ainda bastante mal explicadas.

Pois é desse encadeamento de equívocos, como foram equivocados os editoriais e a resposta da polícia em junho passado, que pode vir a formalização de fenômeno desses rolezinhos. Pode vir daí, dos típicos equívocos das elites, repetidos por falta de memória ou por burrice pura e simples, o crescimento e a expansão desse fenômeno.

Mas diferente das jornadas de junho, que começaram capitaneadas por um grupo, o Movimento Passe Livre, e uma bandeira, a redução da tarifa de ônibus e metro recém reajustada, os rolezinhos surgem de forma quase espontânea, querendo apenas zoar, paquerar, dar uns beijos, olhar umas vitrines. Em suma: ver e ser visto. Nada diferente do que quer (ou quis) qualquer jovem, de qualquer classe social.

Pois sua legitimidade nasce e pode se chamar fenômeno justamente pela falta de bandeira e de liderança. O que, aliás, é o que vem dando um nó na cabeça de analistas, sociólogos, jornalistas e sabidos em geral desde o ano passado. Não há bandeira, não há exigência, não há diretoria, assembleia, nada disso. Só o desejo de estar, conclamado por rede social, sem nenhum propósito aparente que não seja “causar”, que na linguagem dessa geração quer dizer aparecer e provocar.

Contudo, é desse despropósito aparente que deveria vir a observação mais aguda do fenômeno. Se deixarmos a preguiça, a simplificação e o preconceito de lado, veremos que na entrelinha do gesto há uma causa, uma revindicação não formulada e não articulada. Talvez porque eles mesmos não saibam articulá-la, como quem sente que algo está errado, mas não sabe dizer o quê, seja por falta de recursos retóricos ou de compreensão do todo.

Mas como uma sociedade é um tipo de organismo vivo, a doença incubada em algum momento apresenta seus sintomas. Mas esses sintomas nem sempre são claros. Daí a necessidade de interesse e atenção para entender o que está acontecendo de fato, em vez de receitar uma aspirina, feita de liminar e bala de borracha.

Mas entre os sintomas, o mais revelador é sobre nossa sociedade. Mais deprimente do que uma sociedade em que as insatisfações de classe precisem se mostrar mediadas pelo consumo e seus símbolos de status, é a forma como esta sociedade está lidando com isso.

Não quer saber de ouvir, entender, observar e identificar o que há por trás dele, nem que aspetos e sintomas ele traz. Manda logo uma liminar, manda revistar, proibir, restringir, expulsar. É como se da periferia, de pessoas que ouvem funk, que vestem aquelas roupas, que têm aquele vocabulário e aquela cor de pele, não pudesse vir outra coisa que não fosse coisa ruim.

Como dizem os americanos: da última vez que fui checar, isso ainda se chamava preconceito.
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