sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Vagabundos e Pessoas de Bem


O que pode ter em comum uma secretária de escola privada, uma gestora de recursos humanos, um professor, um taxista, um jornalista, uma fisioterapeuta, uma diretora de curso de idiomas, um pastor evangélico formado em teologia e um policial militar? Resposta: todos são vagabundos, maloqueiros, vândalos e arruaceiros.

Mas há outra coisa em comum entre eles: uma rua chamada São Sepé. Era lá, no início dos anos 1990, onde muitas vezes nos encontrávamos. Uma rua no Jardim Brasil, bairro da periferia da zona norte de São Paulo. O motivo de ali ser um ponto de encontro é mais um exemplo da fronteira muito tênue entre vagabundos e pessoas de bem.

Sam e Meg: pessoas de bem
A descrição é difícil. Na rua São Sepé havia um longo muro. No meio do muro, na calçada estreita, havia um poste e neste poste havia um cabo de aço preso, que corria ao longo do muro até o outro poste. A altura deste cabo de aço e sua distância do muro, rente ao primeiro poste, permitia simular ali uma cesta de basquete, esporte pelo qual todos os vândalos citados acima eram fãs praticantes na juventude. Ali passávamos horas jogando e, inevitavelmente, incomodando o morador em frente ao poste, que era gente de bem.

Jovens que queriam apenas se divertir, passar algum tempo junto, praticar um esporte que gostavam. Mas ali, na periferia, em vez de praça, parque e quadra, havia um poste, um muro e um cabo de aço. E éramos felizes por tê-lo. Fora disso, seria o de sempre: o tédio.

Claro que incomodávamos o Sam e a Meg, apelido que demos para o casal que morava em frente ao poste e que vivia reclamando do barulho. A bola de basquete quicando no asfalto, a gritaria de quem jogava e de quem assistia, os cabeludos palavrões gritados uns contras os outros. Devia mesmo ser um inferno, admito, ainda mais agora que me tornei uma pessoa de bem.

Certamente Sam e Meg nos olhavam de trás das grades da janela da sala que ficava atrás das grades do portão da casa e se perguntavam (já duvidando) que futuro teriam aqueles vândalos boca-sujas e aquelas meninas que andavam com maloqueiros. Certamente nenhum.

Rolê de busão

Vagabundo tentando uma enterrada
A formação era variada. Na época não existia ainda telefone celular nem mp3. Mas nem por isso aqueles mesmos vagabundos arruaceiros deixavam de incomodar os passageiros do ônibus. Aglomerados no fundo, viajando mais de duas horas para chegar ao parque do Ibirapuera, cantavam músicas dos Racionais MC’s. As preferias eram “Fim de Semana no Parque” e “O Homem na Estrada”.

O que será que as pessoas de bem daquela época pensavam de nós? Pensavam que um dia até poderíamos nos tornar também pessoas de bem? Ou desejavam apenas que a polícia chegasse e nos fizesse calar a boca, nos ensinasse com cassetetes e tapas na cara a respeitar as pessoas decentes que queriam viajar em paz? Certamente, alguns até pensavam que devíamos ser proibidos de entrar nos ônibus.

Agora crescemos, nos tornamos pessoas de bem, e quando vemos um jovem da periferia com seu celular tocando funk em alto volume dentro do ônibus pensamos o mesmo. Que não tem futuro, que é um vagabundo sem educação, que deveria ser posto para fora do ônibus, marginal analfabeto e ignorante que é.

Estereotipar e acusar é mais fácil do que tentar entender. Mas a linha que separa vagabundos e pessoas de bem é mais fina do que parece. Talvez, na verdade, nem exista.
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